Fachada do Trocadero, uma das sedes históricas do Tricolor (Reprodução)
RAFAEL EMILIANO
@rafaelemilianoo
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ALEXANDRE GIESBRECHT
@jogosspfc
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De São Paulo tens o nome e ostenta dignamente...
Marcado na letra de seu hino, o São Paulo nunca escondeu, já pelos símbolos como o nome, as cores e até a data de fundação, o seu orgulho em ser uma representação do povo paulista e paulistano em um cenário onde a maioria das equipes fundadas localmente eram caracterizações das colônias dos imigrantes europeus que ajudaram, no início do século XX, a tornar a cidade o colosso geográfico e financeiro não só do Brasil, mas também de toda a América Latina.
Mas houve uma época em que essa identidade paulistana do clube era ainda mais intrísceca, seja pelo fato de ainda não possuir representatividade nacional ou pela própria construção do são-paulinismo como essência mais pueril de representar a cidade e seu povo.
E parte dese processo de se tornar uma personificação do ideal bandeirante passou pela ocupação da própria cidade.
Sim, hoje qualquer são-paulino vai dizer de cabeça que a sede do clube é no Morumbi. Mas na primeira metade do século passado, quando ter uma casa própria ainda era considerado um sonho distante e as atividades esportivas eram concentradas no então longíquio Canindé, cercado de várzeas, o Tricolor ousou. E apostou em um verdadeiro palacete para ser sua sede administrativa. Fato esse apontado erroneamente como a causa de uma crise financeira que quase fez o São Paulo fechar de vez as portas antes de se tornar o primeiro entre os grandes.
O Trocadero era um palacete na esquina da Rua Conselheiro Crispiniano com a Praça Ramos de Azevedo, atrás do Theatro Municipal, projetado e construído por Alexandre Albuquerque. Muitos artigos que se encontram por aí mencionam o local como o responsável pelo fim do São Paulo Futebol Clube (o chamado “São Paulo da Floresta”), em 1934.
Segundo esses autores, o custoso aluguel do palacete — às vezes, a negociação é citada como compra, mas o palacete fora alugado — para servir de sede do clube seria uma dívida supostamente impagável, que teria obrigado o São Paulo a aceitar a fusão com o Clube de Regatas Tietê, o que, por sua vez, decretou o fim do futebol profissional são-paulino. O São Paulo Futebol Clube seria ressuscitado meses mais tarde, sendo, como se lê em seus estatutos até hoje, “preservador das glórias e tradições do São Paulo Futebol Clube, da Floresta, o qual foi fundado em 25 de janeiro de 1930 e extinto em 14 de maio de 1935”.
É difícil saber como o mito do Trocadero surgiu, até porque uma das mais respeitadas fontes sobre as primeiras décadas do futebol no País (o livro História do Futebol no Brasil, de Thomaz Mazzoni) questionou-o, já nos anos 1950. Esse questionamento é também feito no mais recente Bíblia do São-Paulino, de Michael Serra e Rui Branquinho, publicado em 2012. Basta ler com atenção o trecho entre as páginas 16 e 18. Serra também já tinha tratado do assunto em seu site, o SPFCpédia, em 2010.
Independentemente disso, sem ser mais usado pelo São Paulo, o Trocadero acabaria sendo alugado ao Centro do Professorado Paulista, que o usaria por pouco menos de um ano na gestão de Sud Mennucci (que, por sinal, era são-paulino fanático), antes de se mudar para uma sede própria, na então Rua da Liberdade.
A Prefeitura passou, então a alugar o prédio para a Câmara Municipal, já que o térreo do prédio da Rua Líbero Badaró onde ela deveria funcionar estava ocupado por repartições do Executivo. Com a extinção das câmaras municipais de todo o país, devido ao Estado Novo, decretado por Getúlio Vargas em 1937, o Trocadero perdeu novamente seu inquilino. A Discoteca Municipal Oneyda Alvarenga ocupou o local de 31 de dezembro daquele ano até 2 de abril de 1939, quando se mudou para o bar do Theatro Municipal.
Nos anos seguintes, não se conseue determinar quem passou a ocupar o Trocadero. Em algum momento, o Círculo Israelita de São Paulo (que em 1971 se fundiria com o Clube Esportivo Israelita Brasileiro Macabi para formar o Círculo Esportivo Israelita Brasileiro Macabi) passou a ocupar o palacete. Em edições d’A Gazeta Esportiva dos anos 1950, é possível ler sobre torneios de tênis de mesa e de xadrez que eram disputados ali. Enquanto ele era o inquilino, no início de 1954, o Trocadero foi a sede do I Festival Internacional de Cinema do Brasil.
Sua história encerrou-se com a demolição, provavelmente em 1957, mas não há referência sobre sua demolição nos arquivos do Estadão e da Folha, mesmo estendendo a pesquisa a outros anos. Naquele ano, o Centro Gaúcho de São Paulo anunciou seu “Baile de Aleluia”, em 20 de abril, “nos salões do Trocadero, na Praça Ramos de Azevedo, 302”. O anúncio saiu no Estadão de 7 de abril.
Mais tarde, em setembro, a Fundação Castelo da Criança anunciou n’A Gazeta Esportiva um “festival beneficente em favor das crianças desamparadas”, marcado para 12 de outubro. A referência mais recente ao local é d’A Gazeta Esportiva de 7 de outubro, que anuncia para aquele dia o evento de tênis de mesa da XVIII Olimpíada Pauli-Poli no Trocadero.
No final da década seguinte, “o terreno serviu de base auxiliar de operações para a construção da Linha Norte-Sul do Metrô”, como escreveu Michael Serra em texto sobre o Trocadero. Em 1974, um novo prédio, já ocupado por diversos estabelecimentos comerciais, foi ali erguido e mantém-se até hoje, embora não tenha um décimo da beleza, do charme ou da história do Trocadero.
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