Ídolo das 'vacas magras', Dias ostenta famoso bigode e costeletas em 1970 (Morumbiteca) |
RAFAEL EMILIANO
@rafaelemilianoo
Se hoje em dia são normais jogadores ostentarem um visual com tatuagens, brincos, colares de pedras preciosas e cabelos e chuteiras coloridas, houve um tempo em que a, digamos, postura social dos boleiros era motivo de controle até certo ponto rígido.
Nos anos 1960, em um país sob as rédeas de uma ditadura militar, a moda exigia comportamento, postura e vestimentas dignas de quartéis.
Quer dizer, quase isso...
No São Paulo haviam brechas em relações aos seus rivais, como mostrou uma edição da revista 'A Gazeta Esportiva Ilustrada' de junho de 1964, onde o presidente Laudo Natel já havia autorizado jogadores a usarem barbas, costeletas e cabelos cheios (não compridos).
Um claro contraponto à rigidez do Palmeiras, por exemplo, que segundo àquela mesma reportagem passou a ter um barbeiro dentro do Parque Antártica e os atletas eram obrigados a passar por ele diariamente até depois dos treinos.
Mas a 'alegria' são-paulina durou pouco. Em 11 de junho de 1968, Diede Lameiro assumiu o comando do Tricolor, credenciado pelo trabalho que tinha feito à frente da Ferroviária, sexta colocada no Campeonato Paulista de 1967, atrás apenas dos cinco grandes, e terceira colocada no recém-encerrado Paulista de 1968, à frente de Portuguesa, São Paulo e Corinthians.
Antes mesmo do contato com os jogadores, Lameiro chegou garantindo à imprensa que faria um rígido regulamento interno, que considerava “indispensável para ter sucesso no trabalho”.
“O São Paulo, depois de uma tempestade futebolística, deu para Diede Lameiro o cargo que (Sylvio) Pirillo abandonou”, escreveu o 'Diário Popular'. “O moço que foi revelado em São José dos Campos mostrou todo seu valor na equipe da Ferroviária, despedindo-se com uma goleada internacional contra o Napoli, vice-campeão italiano. Diede é um disciplinador emérito e tirou a Ferroviária das últimas colocações no campeonato passado, deixando-a entre os melhores colocados. Em 1968, o seu trabalho foi espetacular e, no São Paulo, ele poderá se projetar muito mais, desde que lhe deem condição.”
No dia seguinte à assinatura de contrato, Diede foi apresentado ao elenco e fez uma preleção em que enfatizou disciplina e cumprimento de horários. No meio do discurso, pediu que os atacantes Nelsinho, Babá e Almir tirassem as costeletas. Ao também atacante Faustino, pediu que fizesse a barba diariamente. Os quatro atenderam ao pedido. Para o técnico, um jogador de futebol precisava “andar na linha sem acompanhar as variações da moda atual, como costeletas, bigodes e cabelos compridos”, como reportou o 'Diário Popular'.
O zagueiro Roberto Dias, que chegou atrasado por causa de problemas em sua mudança, não ouviu ao vivo a questão do bigode e, quando ficou sabendo, ouviu de um jogador não identificado pelo 'O Estado de S. Paulo', que reproduziu a fala: “Tire logo esse bigode, porque o homem não vai gostar.” Dias respondeu, com alguma revolta: “Este bigode é muito meu. Gosto dele. Não vou tirá-lo, não.”
Mais tarde, Dias tentou conversar com Diede para obter a aprovação do treinador ao bigode. Chegou a ser ameaçado de ir parar na reserva caso não obedecesse. Mas Diede, recém-chegado ao Morumbi não estava tratando com qualquer um. Capitão tricolor e maior ídolo daquele período de fila, em que as atenções eram divididas com a construção do estádio, o zagueiro foi pessoalmente conversar com Natel, sim o dirigente que autorizara anos antes visuais mais modernos. E ganhou a permissão para seguir com icônico bigode, contragosto do rígido treinador.
Dias é um dos maiores jogadores do São Paulo. Com bigode ou sem, somou 523 jogos nos 13 anos que vestiu a camisa tricolor e ganhou dois campeonatos paulistas (é o quinto que mais atuou pelo clube na história).
Já Lameiro. Bem, até teve vida relativamente longa, saindo do clube só em 1969, após 86 jogos. Mais de dez anos depois, em 1980, assumiu o Palmeiras substituindo Telê Santana e tentou repetir a norma sobre cabelos, barbas e bigodes, quando já soavam um tanto quanto antiquadas, assim como o esquecível treinador...
Com o bigode intacto, Dias enfrenta o Corinthians no quarto jogo de Lameiro no comando do São Paulo, em 1968 (Morumbiteca) |
Lameiro em seu primeiro treino como comandante tricolor (Morumbiteca) |
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